“Sound Design” – o surgimento da denominação
A “Guerra das Estrelas” (George Lucas, 1977) e “Apocalypse Now” (Francis Ford Coppola), são os dois filmes que marcam o ponto de viragem na história do som em cinema. Ambos celebram a banda sonora como um espetáculo de suster a respiração: jactos ensurdecedores rugindo sobre as cabeças da audiência e helicópteros sobrevoando pelos quatro quadrantes do espaço cinemático. Pela primeira vez o logotipo Dolby Stereo surge no ecrã e na lista de créditos aparece o título profissional Sound Designer. Em conjunto com “Encontros Imediatos do Terceiro Grau” (S. Spielberg, 1977), “Alien” (Ridley Scott, 1979) e “O caminho das Estrelas” (Robert Wise, 1979), estes filmes pertencem à categoria de fenómeno de transição onde os desenvolvimentos técnicos são mostrados desinibidamente.
A principal característica deste fenómeno de transição, que se dá no final da década de 70 na indústria cinematográfica de Hollywood, prende-se com o afastamento dos métodos tradicionais de produção e das estratégias formais de design. Os protagonistas deste fenómeno pertencem a uma nova geração de realizadores conhecida como “New Hollywood”. Entre eles estão Francis Ford Coppola, George Lucas, Steven Spielberg e Martin Scorsese, formados em programas de estudos cinematográficos, na sua maioria nos departamentos de cinema das universidades da Califórnia USC e UCLA – onde tiveram a oportunidade de examinarem criticamente a história do cinema norte americano assim como as novas tendências do cinema europeu. A heterogeneidade da experiência dos vários representantes de “New Hollywood”, foram fatores e influências que desencadearam e apoiaram a transformação do som em cinema.
Esta geração de realizadores via-se como autores. A tão falada “teoria de autor”, desenvolvida como a política de autores, nos anos 50 nos Cahiers du cinéma, por críticos como Eric Rohmer, Claude Chabrol, Jean-Luc Godard e François Truffaut – recupera o culto do génio do romantismo. No centro deste conceito reside a autonomia do criador, que transporta a sua visão única e pessoal para o ecrã, independentemente das regras e tradições. Isso significava originalidade em vez de standartização, uma sensibilidade e subtil transformação da realidade através do filtro de uma visão do mundo altamente pessoal, em vez de uma manipulação de fórmulas. Os críticos dos Cahiers focalizavam o seu interesse naqueles trabalhos em que descobriam a assinatura pessoal do realizador. Lado a lado, Jean Renoir, Max Ophüls, Robert Bresson, Jacques Tati e outros protagonistas franceses, e também realizadores norte americanos por eles venerados como Orson Welles, Alfred Hitchcock, Fritz Lang, Howard Hawks e John Ford, realizadores de forte personalidade que eram capazes de desenvolver uma aproximação particular à forma do cinema mesmo dentro dos sistemas rígidos dos estúdios.
Nos anos 60 o crítico de cinema americano, Andrew Sarris introduziu a teoria de autor no debate americano, mas ao contrário da escola francesa, Sarris deu ênfase à natureza genuinamente colaborativa do processo de realização de um filme, no qual o realizador nunca pode ser o único autor, mas antes a força criativa galvanizadora de todas as áreas envolvidas num conceito unificador. A geração ”New Hollywood”, sensibilizada por esta atitude de autor, e devido às práticas condicionantes da indústria cinematográfica vigente com que entram em ruptura, assume uma nova postura. Francis Ford Coppola dá o primeiro passo mudando-se para San Francisco com os mais talentosos estudantes de USC e UCLA, e iniciou a sua própria companhia, American Zoetrope. Com uma posição económica solidificada, com a produção de “Jaws” (Spielberg, 1975), “O Padrinho”, de Coppola (Parte I: 1972 e Parte II: 1974), e “American Graffiti” (Lucas, 1973), estavam com capacidade para questionar e alterar os processos de produção estabelecido e poderiam desfrutar a liberdade material que lhes proporcionaria assumir a sua perspectiva de autor. De maneira a tornar reais as suas ideias formais, procuravam não só novas formas de expressão estética, mas também novas tecnologias.
A sua obsessão pelo som pode ser traçada a partir da influência da indústria musical, a qual estava em ‘boom’ desde o final de 1950. As várias linhas da cultura da juventude situavam-nos à volta de diferentes formas de identidade de estilos musicais, contendo a maior parte influências afro-americanas. Duas características dos novos desenvolvimentos na música tiveram um efeito profundo e duradoiro nas características das bandas sonoras. Uma foi a dimensão dos efeitos sonoros – incluindo percussão e sons distorcidos de instrumentos – os quais se tornaram um aspeto significativo da estética musical. Outra foi o facto desta música ser criada usando novos meios técnicos: amplificadores, guitarras eléctricas e sintetizadores. A meio de 1970, o desenvolvimento tecnológico da indústria da música comercial estava uma década à frente da indústria do cinema. A distribuição alargada de sistemas de som tecnicamente sofisticados no sector de consumo aumentou os “standards”, não só dos realizadores mas também do público em geral. Nos primeiros anos, a geração “New Hollywood” continuou a trabalhar com o equipamento técnico tradicional. Quando estes realizadores instalaram mais tarde os seus estúdios, recorreram à tecnologia avançada de áudio da indústria musical. Fascinados pelo aspeto estimulante dos sons alterados eletricamente como efeitos, experimentaram desenvolver um vocabulário semelhante na produção das bandas sonoras dos filmes. Tinham confiança no poder sugestivo da manipulação do som. (Barbara Flueckiger – Sound Design: Die virtuelle Klangwelt des Films, 2006)