Sonoplastia – Introdução
A propósito das epopeias de Homero, o estilo do orador participará de ambos os processos, a imitação e a narração simples. (…) Trovões, o ruído do vento, da saraiva, dos eixos e roldanas, trombetas, flautas e siringes, e os sons de todos os instrumentos, e ainda os ruídos dos cães, das ovelhas e das aves. Todo o discurso deste homem será feito pelo meio de imitação, com vozes e gestos, e conterá pouca narração.
Platão, “A REPÚBLICA”, Livro III
A origem etimológica de sonoplastia resulta da fusão do latim sonu-, «som» + grego plastós, «modelado», a modelação de som.
Genericamente, a sonoplastia, pode ser definida como o trabalho técnico-artístico de criação da banda de som efetuado em estúdio, para utilização num espetáculo de teatro, dança, música (concerto), recital, desfile de moda, filme de ficção ou documentário, programa de rádio ou televisão, ou para uma exposição.
Utilizando o som como matéria, a sua modelação é materializada em suporte. É, pois, um produto fonográfico.
Baseada na pesquisa e construção de um discurso com recurso à gravação e manipulação de fonogramas, a sonoplastia providencia conteúdos referenciais através da representação de paisagens e dos eventos auditivos que decorrem da ação, que contribuem para a criação da identidade de uma época e geografia circunscrita, para a representação da cronologia da narrativa, das condições meteorológicas sazonais, e na produção de símbolos que concorrem para uma dramaturgia na criação de contextos ou abstrações, na acentuação da emocionalidade ou para uma poetização do som. Pode ser utilizada em qualquer media, evento ou instalação, podendo ser realizada para programas de rádio, televisão, streaming, espetáculos de teatro, dança e música, desfiles de moda ou instalações de arte e exposições. (Leal, 2022)
Desde a Grécia antiga até meados do séc. XX (anos 40), a necessidade da representação de determinados sons, ditos efeitos sonoros, considerados como informações essenciais de uma peça, e provavelmente também espetaculares na experiência aural para o público, implicava a imitação de sons naturais, como o vento, a trovoada ou a chuva, através de meios artificiais, máquinas de maior ou menor complexidade, ou simples placas de aço e outros objectos que eram manipulados fora de cena durante o espectáculo.
Com as invenções que possibilitaram a captação e a fixação de som em registos mecânicos e, mais tarde, magnéticos, esses sons passaram a ser representados através de gravações que reproduziam esses acontecimentos.
A implementação da telefonia traz novas formas de comunicação surgindo o teatro radiofónico e os folhetins, novelas radiofónicas, fenómenos de sucesso que eram escutados e seguidos atentamente, numa época em que os actores eram reconhecidos na rua pela voz. À recriação de sons da natureza, de animais e objetos, de ações e movimentos, elementos que em teatro radiofónico têm que ser ilustrados ou aludidos sonoramente, inicialmente designava-se composição radiofónica. Incluía ainda a gravação e montagem de diálogos e a selecção, a gravação e alinhamento de música com uma função dramatúrgica na ação ou narração.
Em 1943, o Grande Dicionário da Língua Portuguesa / António de Morais Silva, define sonorização como a “operação que tem por fim criar o ambiente sonoro em que decorrem as peças de teatro radiodifundidas” e o sonorizador como “aquele que faz sonorização, ou a pessoa encarregada do funcionamento dos aparelhos de sonorização.” [i]
O sonorizador, auxiliado por um contra-regra que produzia efeitos sonoros em direto, tais como a abertura de uma porta à chave e o consequente fechamento, passos caminhando em pisos de diferentes superfícies, ou o galope de um cavalo efetuado com casca de coco percutida, recorrendo a um manancial de instrumentos e artefactos em que a imaginação era o limite para invenção da replicação artesanal de sons, ou ainda auxiliado por um operador que manipulava os discos de efeitos sonoros de 78 RPM, controlava a mistura dos vários elementos sonoros com a voz gravada.
Na década de 60, para o desempenho dessa função começa a surgir uma nova designação – a sonoplastia [ii]. Sendo um termo exclusivo da língua portuguesa, está intimamente relacionada com a manipulação de registos sonoros, e abrange todas as formas sonoras, música, ruídos e fala. Surgiu numa época em que a manipulação de som era limitada pela tecnologia às técnicas de base de gravação, da montagem de fita magnética em bobines através do corte e colagem – a edição, e da mistura dos vários elementos sonoros com diferentes ajustes de volume.
A sua posterior associação à televisão e ao cinema documental toma subtis variações e formas, recorrendo aí com maior incidência à selecção de músicas para o acompanhamento de sequências de imagem, ou como música de fundo de uma narração, alterando o desempenho da música, já não com uma função dramatúrgica de intenções, mas como uma intenção meramente decorativa e acessória, ou no caso de documentários institucionais com a intenção de criar a ideia de dinamismo e eficiência.
[i] Este termo, com o significado genérico de “tornar sonoro”, com a evolução técnica e tecnológica, actualmente tem, também, outro significado, acrescentando a instalação e manuseamento de “equipamento de reprodução e difusão de som em (determinado local)” (Porto Editora, s.d.).
[ii] Embora no Brasil o termo sonoplastia surja em artigos de jornal de 1939, em Portugal, é no livro de Curado Ribeiro, de 1964, que reside a primeira referência bibliográfica ao termo: “estando a expressão radiofónica circunscrita aos elementos sonoros da voz, da música e do ruído e da associação desses elementos, criou-se, assim, uma noção nova em matéria teatral: os cenários, o gesto e todos os elementos teatrais não sonoros podem ser expressados por sons ou pela linguagem particular duma nova ciência nascida pela rádio e para a rádio, (…) a «sonoplastia»” (Ribeiro, 1964, p. 73).
Em muitos meios subsistem ainda grandes ambiguidades e assistimos até a incorrecções no que diz respeito à terminologia e conceitos utilizados nas áreas disciplinares em que Francisco Leal exerce a sua profissão.
O presente trabalho, em revisão permanente, pretende ser uma contribuição para o esclarecimento de dúvidas frequentes e para a afirmação da profissão, debruçando-se sobre os conceitos fundamentais de Sonoplastia e Desenho de Som e o seu papel na criação teatral, em particular. Está disponível para consulta, sendo a sua utilização sujeita às normais regras de respeito pela propriedade intelectual.
Para uma leitura mais aprofundada sobre o tema pode consultar a dissertação de mestrado A Máquina Falante.
Questões ou comentários devem ser dirigidos a mail@francisco-leal.com.