A sonoplastia como comunicação
No inicio do século XX o manifesto futurista de Luigi Russolo “L’arte di Rumori” (1913), o surgimento da música electrónica na década de 20 com Edgar Varèse e da música concreta de Pierre Schaeffer na década de 50, o desenvolvimento da tecnologia que permite a invenção ou desenvolvimento de instrumentos musicais, como o sintetizador e a guitarra eléctrica, e de outras ferramentas para a produção de som, o registo e processamento de som, a par desse despertar estético suscitado pelo “novos sons” da Revolução Industrial, conferiu ao ruído um novo estatuto, abandonando lenta mas gradualmente o significado de “som desagradável”, caminhando para o conceito de interferência na comunicação, permitindo à sonoplastia afirmar-se como linguagem – a comunicação pelo som, através da conceptualização da matéria sonora, explorando a sua dimensão semiótica, com símbolos e significados, memórias e referências, e já não meramente ilustrativa e acessória, o preconizado Art of Noise!
O teatro, enquanto lugar vazio, oferece o negro e o silêncio do palco, no qual todas as ficções estão por construir. Lugar de produção de textos, eles mesmo produtores de imagens evocatórias, o teatro não tem a obrigação de existir transportando a carga do real contido na imagem. É o lugar da alusão, do ‘fazer cenário’. (Deshayes, 1994)
Um dos fundamentos do sonoro é a produção de efeitos dinâmicos. A sua potência é a sua dimensão energética. Com o som pode-se ilustrar tempo e espaço, ou recriar ambos. O som pode definir a área envolvente da acção e até o que está para além do cenário visível. O som da aproximação e partida de veículos pode estabelecer a geografia de um espaço cénico através da direcção da proveniência do som ou do trajecto que desenvolve no espaço aural. O som de uma fonte de água a correr pode infundir vida num cenário, ou podem-se representar diferentes materiais através do som da chuva a bater em diferentes superfícies – telhados de zinco, janelas, caleiras, etc.
O som pode assumir uma função narrativa, acentuando a profundidade e o significado da peça, usando a música para a definição de diferentes estratos sociais dos personagens, como em “O Grande Teatro do Mundo”, de Calderon de La Barca, ou utilizando sons para fazer alusão à memória de um momento, de uma ação ou até de um local.
Acentuar atmosferas e emocionalidade – sendo a função aparentemente mais fácil, a manipulação da resposta emocional coletiva da audiência através da chamada atmosfera, não deverá ser o objectivo primeiro.
A ligação de significados sonoros objetivos e subjetivos podem proliferar num espetáculo com bons resultados, tanto quanto a sua contenção minimal. A sua relação com o texto e com a encenação são a chave.
Em teatro lida-se com o percurso de uma ideia abstracta ou imaginária para uma realidade física, pelo que o escutado vai do realismo ao esboço, do conceito à abstração, sempre na sensação.